Uma romancista do Rio de Janeiro, um poeta do interior de São Paulo, uma contista de Porto Alegre. Seja com a prosa seca e urbana de uma, com a poesia lírica com algum cheiro de terra do outro ou com narrativas alucinadas com aroma de lua da terceira estes três jovens escritores realimentam a ficção brasileira ao apresentarem dentro de uma bibliografia ainda curta o extremo vigor literário. Nesta conversa, eles apresentam o que ainda virá, e já está sendo, na literatura nacional.
Durante a ditadura, quando Augusto Boal foi preso acusado de subversão, Nelson Rodrigues publicou um artigo defendendo fervorosamente o dramaturgo. “Sua vida é uma apaixonada meditação sobre o mistério teatral”, concluía. Nesta mesa, Boal, hoje o nome mais conhecido do teatro brasileiro fora do país, divide um pouco desses mistérios com Eduardo Tolentino, fundador do grupo Tapa e premiado diretor teatral que já se notabilizou como um apaixonado “meditador” dos mistérios dramatúrgicos de Nelson Rodrigues.
Com seu prestigiado romance O passado, o escritor Alan Pauls usa o desencantamento de um casal para fazer um inventário das doenças contemporâneas do amor, com todos seus egocentrismos e consumismos sentimentais. “Existe alguma diferença entre o amor e a doença?”, pergunta Pauls. A Flip buscou a pessoa certa para responder à revelação da literatura latino-americana. Maria Rita Kehl entende como poucos de amor e de desamor, de doenças contemporâneas e, não menos importante, de literatura.
Poucos se lembram, mas Nelson Rodrigues foi ator. Viveu o Tio Raul, de sua peça Perdoa-me por me traíres, por dez dias, no Municipal do Rio. Não ameaçou Laurence Olivier, mas saiu da experiência achando que “o engano milenar do teatro é que fez do palco um espaço exclusivo de atores e atrizes”. De olho nisso, a diretora Bia Lessa fará na Flip uma leitura da peça rodrigueana O beijo no asfalto com autores no lugar de atores. São ficcionistas, ensaístas, importantes estudiosos de Nelson. Com vocês, Adriana Armony, André Sant’Anna, Ângela Leite Lopes, Carlito Azevedo, Chacal, Flora Süssekind, Jorge Mautner, Liz Calder, Nelson Motta, Sérgio Sant’Anna, Silviano Santiago, Suzana Macedo e Veronica Stigger. A banda “Os ritmistas”, formada por três bateristas, fará intervenções para valorizar a musicalidade dos diálogos e intensidade das cenas.
Nos anos 1990, enquanto críticos choramingavam a falta de bons jovens dramaturgos brasileiros e diretores reclamavam da falta de patrocinadores e palcos para trabalhar alguns novos talentos arregaçaram mangas e enfrentaram as duas questões. Escreveram suas peças, montaram suas companhias, arrumaram espaços alternativos para encená-las. Deu certo. Mário Bortolotto e Bosco Brasil são a prova. Os dois ganharam os principais prêmios do país, conquistaram públicos cativos e continuam desbravando a trilha aberta por Nelson Rodrigues. No palco da Flip debaterão para onde leva esse caminho.
Dos lugares mais imprevisíveis pode brotar uma literatura vibrante. Ishmael Beah e Paulo Lins viveram em ambientes tomados de brutalidade e desespero — e resistiram, contando então suas histórias. As memórias de Beah, Muito longe de casa, são um relato fascinante de sua vida como criança-soldado em Serra Leoa e do modo como se libertou. Cidade de Deus, a obra de Paulo Lins que deu origem ao filme esplendidamente adaptado por Fernando Meirelles, romanceia a experiência de crescer numa favela assolada pelo crime. Dois sobreviventes falam do poder redentor das palavras.
Uma seleção de escritores da Flip 2007 fazem leituras de trechos de obras que levariam para uma ilha deserta.